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Crônica

Amor perfeito?

Somos todos professores sem diploma, especializados em cuspir no prato em que acabamos de comer. Só que eu não concordo com o “Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje com a idade que você tem agora, ah, isso seria bom”, porque esse negócio de experiência só funciona com ratos em gaiolas. Se o mundo fosse o laboratório perfeito — que o cara saudoso acha que é — não seríamos professores. E somos todos. Graduados em servir de exemplos repetidos para o resto. Sem diploma.

E se você pensar bem, os mestres mais surpreendentes são os sujeitos inconsequentes. Gosto das pessoas inconsequentes, pois elas têm as feições mais cômicas e instrutivas. Somos todos professores sem diploma, em qualquer matéria. E os inconsequentes estão o tempo todo mostrando que seremos os próximos a cagar no pau do palhaço.

Amor perfeito

Lembro-me de Dentes Guardados, livro de contos de Daniel Galera. O primeiro ele chamou de Amor perfeito. O cara que tirou a virgindade da menina, que era perfeito, que não deu flores para ela quando ela realmente não queria que ele desse flores, que perdoou a traição, que não entrou em provocações, que encheu o saco por ser tão legal, que foi compreensivo até quando ela mandou ele à merda. Ela não queria compreensão, queria que ficasse puto da vida, que não aceitasse. Que brigasse. Então, no meio da chuva de copos, socos e livros que a garota jogava nele, o cara reagiu. Xingou, bateu, chutou barriga e o escambau. Aí você saca horrorizado, junto com a garota sangrando no chão que, até ali, naquele momento absurdo de violência, ele estava fazendo o que ela queria. Amor perfeito.

Uma inconsequente? Sei lá. Só que não sabemos realmente sobre eles dois, como ninguém sabe de vocês dois. Ninguém sabe de porra nenhuma, de merda nenhuma.

Estamos todos fadados a não ganhar.

Tags : amorcrônicadaniel galeraliteraturareflexãorelacionamentosviolência
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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