close
Reflexão

Antes de melhorar, piora

Se alguém fizesse uma coletânea das frases que eu mais falo, posso te garantir que o título desse texto seria uma figurinha carimbada. Falo para os outros e para mim mesma, de modo a tentar gerar coragem para enfrentar a vida com suas delícias e percalços. Portanto, já te aviso que antes de melhorar, piora, mas há esperança e falaremos sobre isso!

Por que fazemos o que fazemos

Não tenho uma resposta super elaborada para te dar o porquê, na verdade, a essência do motivo de fazermos o que fazemos habitualmente é bem simples: porque aprendemos a agir assim.

Skinner, um proeminente psicólogo behaviorista, defendeu que o comportamento é produto de três níveis de variação e seleção. São eles: filogenético, ontogenético e cultural.

Vamos falar rapidinho sobre cada um:

  • Filogenético: refere-se ao nosso arcabouço biológico e genético, é o que herdamos;
  • Ontogenético: abarca o desenvolvimento comportamental do indivíduo, dadas todas as suas interações com o meio;
  • Cultural: esse nível de seleção compreende as variáveis ambientais mais amplas que influenciam os indivíduos. Por exemplo, a economia, a política, as questões culturais próprias do ambiente.

Diante disso, eis o que você precisa saber: esses três níveis interagem e o resultado é o conjunto de comportamentos que você aprendeu e apresenta. A tendência é repetir esses modos de agir. Dá para quebrar a sequência repetitiva se você se propuser a aprender algo diferente no lugar do que normalmente faz. Também é necessário criar as condições para que esse aprendizado comportamental aconteça.

Por que temos dificuldade (ou medo) de mudar, mesmo desejando as mudanças

Pelos mesmos motivos que te expliquei ali em cima. Nós aprendemos nossos comportamentos em determinados contextos que incluem nossa genética, história pessoal e cultura. Tendemos a repeti-los porque são nosso modo conhecido, garantido e seguro de interagir com o mundo.

Eu costumo brincar com os meus clientes:

Como será para você se eu começar a conversar em [insiro uma língua que eu sei que a pessoa não sabe, como alemão, por exemplo] contigo?

O cliente obviamente responde que não vai conseguir continuar a nossa conversa por não dominar o idioma. Essa pessoa não tem repertório nessa língua específica. Mas tem em outra, que é a que ela aprendeu a usar. Para dominar outro idioma o estudante teria que fazer um esforço consciente, programado e contínuo. Além disso, precisaria arriscar essa nova habilidade num contexto de insegurança, por ser novo.

Penso que assim fica mais claro por que temos dificuldade/medo de mudar, mesmo desejando as mudanças. A nossa forma de agir, embora incômoda nos aspectos em que se desejam as alterações, volto a dizer, é conhecida, garantida e segura. Os resultados dos nossos comportamentos-padrão são suficientemente previsíveis para nós. Outro ponto é que nossas atitudes nos trazem benefícios ou nos livram de problemas, ainda que não tenhamos essa percepção clara.

Mas por que antes de melhorar, piora?

Antes de melhorar, piora, porque ao tentar mudar algo em nossas vidas — seja lá o que for — isso sempre vai afetar o nosso comportamento. Por exemplo, se você se muda de casa isso vai afetar os seus trajetos habituais. Se você começa um novo curso, isso vai alterar sua rotina considerando as outras atividades. Se você altera a sua alimentação, vai mudar os seus hábitos em relação à comida. Percebe?

Não é confortável agir de um jeito ainda desconhecido. De uma forma cujos resultados não são tão previsíveis quanto os anteriores. E, especialmente, de uma maneira na qual você ainda não é “fluente”. Isso significa ter que fazer esforços deliberados para se comportar de um jeito X, sendo que você já é fera no Y. Já vou te falar que há esperança, mas antes só quero dar mais um aviso:

Se envolver outras pessoas piora ainda mais

Como somos seres sociais, é muito comum que uma mudança em nós influencie a vida de mais alguém. Não é uma regra, não é uma coisa que necessariamente vai acontecer, mas com outras pessoas envolvidas a mudança pode ser mais difícil.

Vamos pensar juntos: quando interage com alguém, você se torna contexto para o outro. E vice-versa, numa interação contínua, sistêmica. Sabe quando mãe reclama que faz tudo em casa e ninguém ajuda? Pois bem, ela faz tudo porque ninguém “move uma palha”. Enquanto isso, os demais moradores não fazem nada porque aprenderam que já está tudo pronto ou logo ficará. Por que eles iriam se esforçar? Em algum momento, os comportamentos dessas pessoas se estabeleceram assim e para quebrar alguém vai ter que começar a agir diferente.

Sigamos com nosso raciocínio. A(s) pessoa(s) que interage(m) com você vai(vão) reagir mal às suas mudanças, dificultando-as, se você agir habitualmente de maneiras que de alguma forma, mesmo que indireta:

  • Geram algum benefício a ela(s) ou
  • Impedem ou minimizam um prejuízo a ela(s).

Vale ressaltar que muito do que estou descrevendo costuma representar processos inconscientes. Isto é, essas relações muitas vezes não são realizadas deliberadamente pelas pessoas envolvidas. Para ficar mais claro: o que eu quero dizer é que não necessariamente quem reagir mal à sua mudança fará isso de propósito.

Fica aqui o alerta: quando quiser mudar algo na sua vida, pense em como isso vai afetar as pessoas ao seu redor e prepare-se como puder para os impactos.

O que fazer então?

“Mas Débora, se mudar é difícil por tendermos a viver numa eterna repetição dos nossos comportamentos e, além disso, ainda pode ter gente que vai agir contra (talvez sem saber) por participar da interação comigo, como diabos eu vou implementar alguma mudança?”

E eu te respondo: lembre-se que antes de melhorar, piora, mas a situação desconfortável não é permanente. Ela é transitória. Se você aguentar um pouquinho mais, vai ter tempo suficiente para transformar o estranho, o novo, em familiar.

Quanto às pessoas envolvidas de alguma maneira nas suas mudanças, tenha paciência. Lembre-se de que se você precisa de tempo, elas também. Com persistência nos seus novos comportamentos, as pessoas próximas a você que te querem bem em um dado momento vão perceber, entender e irão se adaptar.

Tags : atitudecomportamentocoragemmedo de mudarmudançarepertório
Débora Lopes

The author Débora Lopes

A profissão oficial é psicóloga, mas faz um monte de coisas. Devoradora de livros, maratonista de seriados, mãe de cachorro... Débora é uma jovem idosa que jamais recusa um café com os amigos. Ama viajar, especialmente para lugares frios.

Leave a Response