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Crônica

A vida é uma caixa de chocolates?

Quando Tom Hanks, em Forrest Gump, soltou que “a vida é como uma caixa de chocolates, nunca se sabe o que vamos encontrar”, quase tive um troço. Oras, como assim? Se você compra uma caixa de chocolates, se você ganha uma caixa de chocolates, quer que lá dentro estejam os malditos chocolates. As barras crocantes, os bombons recheados com pasta de amendoim e licor de groselha — mas espera-se que haja chocolate. Não faz sentido dizer que não se sabe o que vai ter lá dentro. Todo mundo achava lindo citar o personagem e eu fingia que também entendia da mesma forma.

Gostamos de pensar que temos certeza das coisas, pois é seguro e quentinho assim. Que o sol nasça ali, corra o céu, suma do outro lado e repita o processo pela eternidade. Há um prazer quase obsceno quando descrevem o movimento retilíneo uniforme em nossas primeiras aulas de física, quando os enunciados dos exercícios falam de superfícies sem atrito e forças constantes e temos todos os dados para jogar numa fórmula. Gostamos disso, de certa maneira. Só que topamos com o que existe de verdade na vida — é só olhar em volta — e com uma bela frequência algo acontece e muda todo o jogo do que é concebível.

Aí ontem Tom Hanks falou de novo em minha cabeça, enquanto eu assistia a um vídeo de ataques aéreos israelenses na Síria, e falou de novo quando li a matéria do procurador dizendo que índio foi escravo porque não gosta de trabalhar. Ambas as coisas no aconchego do meu apartamento com acesso à internet e livros abarrotando uma estante. Então fiquei com a pulga atrás da orelha ao pensar em todas as merdas políticas que tomei conhecimento só na última semana. E na outra. E no mês. Porque é sobre a pulga atrás da orelha que Forrest Gump fala quando fala da caixa de chocolates. É uma advertência, uma proposta de tatuagem válida para se carregar para sempre, e não uma alegoria sobre como a vida é repleta de surpresas gostosas. É mais sobre a possibilidade de encontrar aquele bombom de passas que você odeia do que qualquer outra coisa.

Obrigado, Forrest, pelo tapa na cara.

Tags : chocolatecrônicapolíticareflexãotom hanksvida em sociedade
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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