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Reflexão

Achar a metade da sua laranja?

Não é de hoje que observo que tenho um relacionamento um bocado diferente dos de outros casais. Para quem não sabe, sou casada com o Marcos Marciano daqui do blog. É claro que nós já nos desentendemos e brigamos muito no passado, mas usamos o tempo de casamento e as experiências que ele nos trouxe para aprender a conviver melhor, respeitando a liberdade, as capacidades, as vontades e os limites do outro. Resolvi compartilhar com vocês algumas observações que eu e, às vezes o Marcos, fazemos sobre viver em casal.

A primeira coisa: você não é obrigado!

Às vezes Sempre escuto relatos de como é a vida de outros casais, especialmente pelo fato de esse ser um dos temas campeões para procura de terapia. Ou seja, para além do que ouço em meus relacionamentos pessoais — amigos ou familiares —, as pessoas me procuram para “consertar” exatamente essa área da vida delas em meu consultório: o relacionamento amoroso.

A primeira coisa que penso é que a época de casamentos arranjados no Brasil já se foi. Hoje, pelo menos dentro dos círculos sociais em que nós convivemos mais amplamente, esse arranjo não existe. Isso quer dizer que se você fica com alguém supostamente é porque você quer. Se você continua com essa pessoa, engatando um namoro e talvez posteriormente uma união estável ou casamento, você escolheu isso.

Abre parênteses: por ser psicóloga, estou muito ciente do fato de que existem pessoas que continuam com o parceiro ou parceira em um relacionamento por medo — muito comum na vida de mulheres —, por chantagem da outra pessoa, por falta de autoconfiança, acreditando que não conseguem outra pessoa ”melhor”, por promessas do outro de que irá mudar isso ou aquilo e por váááááários outros motivos, afinal comportamento humano sempre é multideterminado. Mas neste texto eu escolhi falar de relacionamento amoroso entre pessoas que não estão enfrentando esse tipo de situação. Fecha parênteses.

Voltando ao ponto anterior, você está com alguém supostamente porque você escolheu isso, porque quer. Não importa com quantas pessoas você esteja se relacionando, se você vive uma relação de casal fechada ou aberta. Assim, se você não tem alegria na sua vida conjugal, não tem a própria liberdade, não tem apoio, por que você está com essa pessoa?

Casamento sem cerimônias

Eu me casei em um cartório da Rua São Paulo, em Belo Horizonte. Alguns familiares foram. Nós dois entendemos aquilo como uma formalização e segurança jurídica para ambos. Nada mais. Acabou acontecendo um caso engraçado: o fotógrafo do cartório perguntou se iríamos trocar as alianças ali ou na igreja. Gente, o Marcos riu. Foi a reação mais espontânea que ele poderia ter tido. O fotógrafo ficou sem graça. Aí o Marcos ficou sem graça, porque o fotógrafo ficou sem graça. Quem nos conhece bem sabe: calculamos quantos hambúrgueres podemos comer com o valor da aliança. Eu, que gosto de viajar, calculo para onde poderia ir com tal quantia. Fato é que nós entendemos que o nosso amor é algo intangível, não precisa de um símbolo formal. Veja bem, nenhum de nós dois achamos problemático usar alianças ou que as pessoas não deveriam usar. A gente só não quis. É simples.

A segunda parte do casamento foi a minha mãe querendo comemorar em algum lugar. Como nós dois não tínhamos pensado nem planejado nada, acabamos indo para o Diamond Mall — sim, um shopping — e cada familiar se serviu do que queria. Foi divertido! Nós comemos bem (o mais importante 🙂), nos divertimos e depois cada um voltou a fazer o que precisava no dia, já que nos casamos em um dia útil.

Tudo isso que estou contando para vocês não tem nada a ver com desprezar o momento de celebração da nossa união e felicidade, ou de não querer compartilhar isso com os amigos e familiares, mas sim tem relação com o fato de que somos duas pessoas simples em nossas vontades e na forma de nos expressarmos, um com o outro e com as outras pessoas no geral. Para mim, é exatamente nessa simplicidade que reside o nosso modo descomplicado de nos relacionarmos.

Não é e nem deveria ser um problema você querer uma festa, uma grande comemoração, um dia memorável na celebração do seu casamento. Só não perca de vista o mais importante: a relação com a pessoa que você escolheu.

Sem neuras: o que vale é a palavra que damos um ao outro 

Eu não sou uma esposa que odeia quando o marido vai para jogar futebol. O Marcos não é um marido que odeia quando eu vou encontrar com amigas. Nem com amigos. Eu sou profissional autônoma, isso quer dizer que meus horários são diferentes do horário comercial. Trabalho à tarde e à noite, às vezes chegando em casa depois de 21h e o Marcos não fica me perguntando o que eu estava fazendo quando chego. Também não temos as senhas um do outro de e-mail, de Instagram, nem de celular. De nada. Não rastreamos nada o que é feito pelo outro. Posso falar com toda a sinceridade do mundo que ele não me faz desconfiar de absolutamente nada. Vamos voltar lá na primeira coisa: eu não sou obrigada! Se eu estivesse com alguém que não me transmite confiança, por que eu continuaria o relacionamento?

Partimos do princípio de que escolhemos livremente estar um com o outro. Se nós escolhemos ficar juntos, entramos na vida da pessoa com intenção de agregar COISAS BOAS. Traduzindo: ser uma fonte de apoio, ser alguém em quem confiar, dividir as contas de forma justa, dar suporte para o crescimento do outro, fazer parte de momentos felizes e divertidos, estar ao lado também nos momentos difíceis, dividir as responsabilidades, dividir o cuidado com a casa, cuidar da saúde do outro, comemorar as conquistas, compartilhar os sonhos, ficar feliz com a felicidade do outro. 

Como eu teria tudo isso se eu não acreditasse nessa pessoa que escolhi para estar ao meu lado? Como eu poderia oferecer tudo isso se eu não fosse crível para a pessoa que me escolheu?

“O que mantém a vaca no pasto é o capim, e não a cerca” — frase solta das internets, perdão por não ter os créditos

Já escrevi no meu blog do consultório um texto sobre ciúme. Vou repetir um parágrafo dele que acho que também faz muito sentido aqui:

Os ditados populares dizem que a gente procura nossa metade da laranja ou a tampa da panela. Uma vez eu vi uma comunidade no Orkut que se chamava mais ou menos assim “Achei minha metade da laranja” e a descrição era “E agora, o que eu faço? Espremo?”. Sou da forte opinião que um relacionamento precisa de duas pessoas inteiras. Esse papo de “achei minha metade” ou “agora sou completo” leva a muito sofrimento. Gera dependência. Seja uma pessoa completa e depois procure com quem você compartilhará sua vida e sejam muito felizes!

O último ponto que quero compartilhar com vocês é o quanto acredito que a liberdade é um dos principais ingredientes dentro de um casamento feliz. Em primeiro lugar, você não é gêmeo siamês da sua esposa/marido/namorado/namorada/o nome que você dá para a pessoa ao seu lado. Você é alguém com vontades, sonhos, problemas, medos como qualquer outro. Isso quer dizer que você terá muito em comum com seu parceiro, mas também muitas coisas diferentes. Por exemplo, vocês trabalham em lugares distintos. Você terá que se preocupar com os colegas de trabalho como sendo uma potencial ameaça ao seu rolo/namoro/noivado/casamento? Um dia você quer ir para um lugar que a pessoa não quer, você deixa de ir? Se for o contrário, você tentará impedir que a pessoa vá?

Uma coisa que eu acho super triste de ver é o quanto alguns casais parecem cumprir um ritual e se obrigam a ficar juntos o tempo todo, a todo custo. Ou então quando, mesmo não estando juntos, a sua liberdade de ação vai somente até onde o outro autorizar. Qualquer coisa pode ser interpretada como ameaça ao relacionamento, existe uma vigilância constante sobre o que o outro está fazendo e até mesmo pensando. As crenças sobre casamento são ruins! Quem nunca ouviu dizer que “se casamento fosse bom não precisava de testemunha”? O imaginário popular reforçado é o de que casamento é uma prisão, faz parte de uma etapa da vida em que você precisa abdicar de si mesmo para ser uma marionete de alguém. Essas pessoas estão espremendo a metade da laranja delas. Vai sobrar só o bagaço! Espectros de pessoas inteiras, esquecidas que um dia aquilo que elas vivem hoje já foi uma boa escolha.

Um casamento descomplicado

Eu sou muito feliz sendo casada e vivendo em um casamento descomplicado. Muita gente diz que os primeiros anos são muito difíceis, que você está se adaptando à pessoa, encontra um monte de manias chatas que não conhecia antes. Mas sabe o que é mais engraçado? Eu não achei difícil. Minha vida não mudou radicalmente porque eu me casei. Parece que é só uma extensão daquilo que eu já vivia antes, adicionando mais companheirismo a essa extensão. Como isso poderia ser ruim? Eu continuo inteira, e ele também.

Tags : amorcasamentopsicologiarelacionamentossociedadeterapia
Débora Lopes

The author Débora Lopes

A profissão oficial é psicóloga, mas faz um monte de coisas. Devoradora de livros, maratonista de seriados, mãe de cachorro... Débora é uma jovem idosa que jamais recusa um café com os amigos. Ama viajar, especialmente para lugares frios.

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