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Reflexão

Mas eu me mordo de ciúme

Algo que me intriga bastante são os relacionamentos amorosos permeados por uma dose de ciúme. Fico intrigada por ser uma coisa que não consigo sentir, mas também pelo fato de que não vejo o porquê disso estar presente entre pessoas que supostamente se amam.

Quer dizer… há tentativas de explicação científica, diferenciação dos motivos do ciúme da mulher e do homem evolutivamente falando, a história de vida de quem sente ou provoca ciúme nos outros (já escrevi sobre isso antes)… De forma analítica, eu entendo muito bem o que leva as pessoas a sentirem ciúme, inclusive trabalho muito com esse tema em consultório. Mas continuo pensando que é desgaste demais se manter em uma relação íntima de insegurança, caso não seja possível modificá-la para melhor.

Relacionamento deveria ser uma coisa boa

Toda vez que eu penso em relações interpessoais — de todo tipo: familiares, amizades, amorosas, de trabalho, comunitárias etc. —, já me vem logo à mente que é algo para ser bom. Uma pessoa contribuir com a outra da forma que lhes couberem. Uma pessoa fazer bem à outra quando e como for possível.

Infelizmente, nem sempre dá para ser assim. Costumo dizer que algumas relações são sorteadas. Por exemplo, tendemos a escolher nossos amigos, mas não dá para selecionar quem é parente e geralmente não é possível determinar quem serão seus colegas de trabalho. Dentre as relações “sorteadas”, é possível se desfazer de umas, mas não de outras. Vamos supor que você adore seu trabalho, mas tem um colega péssimo. Será necessário encontrar alguma maneira de tolerar essa situação, já que você não irá abrir mão da sua função e a saída do colega não depende de você.

Um relacionamento amoroso não precisa entrar na gama dos sorteados. Outra coisa que eu sempre digo quando tenho a oportunidade é que o primeiro encontro é para saber se você quer ter o segundo e assim sucessivamente. Estar com alguém tem que ser sim uma escolha.

Relacionamento não é sobre posse

Já adianto que se for, está errado! Uma pessoa não se torna dona da outra porque estão juntas. Ou pelo menos, não deveria se tornar. Para mim, aí começa essa história do ciúme: “preciso manter o que é meu”. A pessoa começa a associar a ideia de que “se eu faço esforço para que Fulano(a) continue comigo, ele/ela irá permanecer”.

Vamos pensar juntos:

  • Você realmente quer um relacionamento cuja continuidade depende de que você fique se esforçando para cercar a pessoa para que ela não faça nada de “errado”?
  • Você acha que tem algum valor a pessoa só não fazer nada de “errado” porque você a cercou?

Não tem valor se é policiado

Caso você ainda não tenha conseguido responder às duas perguntas que fiz acima, segue uma frase cômica adaptada que achei na internet (perdoem-me por não ter encontrado a fonte para dar os créditos) que talvez ajude a pensar:

O que mantém o gado no pasto é a grama, não a cerca.

Não sei você, mas eu prefiro que meu marido esteja comigo porque ele me acha legal, gosta da minha companhia, da forma como eu penso, das ponderações que levanto, de como contribuo com a vida dele e até das minhas chaturinhas. “Deus me dibre” da “obrigação” que o ciúme traz de ficar checando o tempo todo se ele não está com outra para garantir que está comigo. Que ele está comigo eu já sei. Faço a escolha de preferir aproveitar a companhia.

É sobre confiar no outro

Pode ser que eu ainda não tenha conseguido te convencer com o meu jeito good vibes de encarar relacionamento: “Ah, Débora, mas e se eu não vigiar e ele/ela fizer alguma coisa desaprovável?”. Eu te digo o seguinte: quem quer fazer m*rda, faz.

Primeiro porque não tem como você controlar tudo. É humanamente impossível. Quer mais uma paranoia pra sua cabeça para que eu prove meu ponto? Se eu quisesse demais esconder algo do meu marido, teria um número e aparelho de celular somente para as coisas escondidas e deixaria esse aparelho no meu consultório, local que o Marcos não frequenta. Ou seja, pode não valer nada seu esforço de se esgueirar e olhar o telefone do outro quando ele estiver tomando banho ou dormindo.

Segundo porque a pessoa que já foi controlada fica cada vez mais esperta — se ela for inteligente — para escapar nas próximas vezes. Ela já sabe o que a entregou, então vai se antecipar para que a mesma coisa não a entregue novamente. Eu digo que ela fica mais criativa.

Por fim, como já falei acima, não tem valor se a pessoa só não faz m*rda porque é policiada. Isso quer dizer que no momento em que o seu controle afrouxar ou não for possível existir, ela escapole por entre os dedos. Sério mesmo, você quer um relacionamento custoso assim? Em que você acha que o outro está contigo porque você cercou as possibilidades de que ele ou ela vá embora?

Por isso digo que é sobre confiar no outro. Não depende do seu controle, depende da índole do seu parceiro. Se ele vier a te trair isso diz muito mais sobre ele do que de você. Ele não traiu porque você não era suficiente. Ele traiu porque foi covarde e não soube reconhecer o momento de terminar o relacionamento — no melhor dos casos. No pior, traiu porque é uma pessoa sem caráter que quer tirar vantagem, a despeito dos sentimentos da pessoa que está com ele. Nunca se culpe pelas coisas ruins que fizeram com você! Responsabilize quem agiu mal. E depois disso, por favor, siga a sua vida. Pra frente.

Para fechar essa parte, vamos a uma analogia. Imagino que você não aceite pegar estrada, especialmente se for uma viagem longa, com qualquer carro. Sem revisão. Caindo aos pedaços. Afinal de contas, você pode sofrer um acidente. Dessa forma, você vai escolher um bom carro, passar pela revisão, ter todos os documentos em dia, não é mesmo? Essa parte é a confiança no outro. Assim como você não pega estrada com qualquer carro, não deveria compartilhar a sua vida com qualquer pessoa. Escolha alguém que te pareça confiável.

Mas também é sobre confiar em si mesmo

Agora entra a parte que eu acho mais interessante da história: não é só confiar no parceiro, tem que confiar em si mesmo também. É a velha história de ter uma boa autoestima. Vai ficar mais claro quando seguirmos com a nossa analogia do carro. Vamos lá!

Seu carro para pegar estrada é ótimo. Mas… não adianta nada se você não sabe dirigir ou não sente segurança para conduzir. Nesse caso, você teria medo e desconfianças do mesmo jeito.

Por isso é tão importante que você saiba e se lembre de que é uma pessoa legal e que seja lá quem for que está com você tem sorte de desfrutar da sua companhia. Entender que há pessoas que vão combinar mais com você do que outras. E principalmente saber o quanto vocês são bons juntos, mas também funcionam de forma avulsa quando convém a cada um. Se não for para ser assim, deixo honestamente uma pergunta: por que ser então?

Tags : ciúmeciumesconfiançaliberdadeposserelacionamentos
Débora Lopes

The author Débora Lopes

A profissão oficial é psicóloga, mas faz um monte de coisas. Devoradora de livros, maratonista de seriados, mãe de cachorro... Débora é uma jovem idosa que jamais recusa um café com os amigos. Ama viajar, especialmente para lugares frios.

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