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Crônica

Nunca escrevam esta carta

Não sei como começar esta carta, querida Mary, mas lá vai.

Em uma única pergunta: onde está você? Já são quantas? Três, quatro semanas desde a última vez que nos vimos? Qual foi mesmo a última vez que nos vimos? Céus, Mary. Fico imaginando se você faz questão de me ver. Até quando vai ser assim? É, não dá para resumir em apenas uma pergunta esta carta.

Talvez você ache estúpido receber uma carta minha. Mas, sinceramente, é o melhor jeito que encontro para me comunicar com você. Telefones, Mary, me assustam. E silêncios te incomodam. Eu nem sei mais o que te falar ao telefone. Por isso não ligo. E se eu não ligo, você não liga. Por maldito orgulho feminino ou por simples descaso mesmo. Caio sempre na bobagem de querer acreditar na primeira opção, contrariando o fato de que o mais certo seria crer na segunda. Mas eu não sei o que te falar ao telefone e muito menos quando encontro com você. Gaguejo ao afirmar que nem lhe conheço mais. Que, com certeza, não sei o que você faz ou o que pensa. Principalmente o que você pensa. Desconheço o que você quer da vida ou de mim. Se é que ainda quer algo de mim. E, querida, eu cansei de fazer essa pergunta a você e às paredes de todos os quartos que durmo. Não faço ideia de onde tiro vontade para te ver outra vez. 

Sabe, a verdade é que sinto sua falta. E até falar isso se tornou difícil. Sinto falta de quando eu parecia te fazer feliz. De quando meu jeito de ser parecia ser exato às suas carências. Os últimos meses, desde quando você decidiu ser como é hoje, foram os mais descartáveis de minha vida. Meses assim me deixam com medo de viver o resto. Me deixam desconfiado com tudo em relação a você. E, querida, acho que não confio mais em você. Ou talvez eu ainda esteja — e estou, droga — vivendo e te tratando como alguém que eu conheça. Alguém em quem eu punha toda a confiança do mundo. No entanto, não conheço mais você. Nem parece que um dia fui “o amor pra vida inteira” que pousou em suas coisas. E se você ainda disser que eu sou, pergunto: do que adianta ser amor pra vida inteira em alguns poucos momentos de sua vida? 

Você diz estar vivendo muitas coisas. Outras histórias, outras diversões, outras raivas, outros. Adivinhe o que eu tenho vivido. Sim, porque você nem pergunta o que eu tenho vivido antes de dilacerar meu peito com suas experiências. Vivo nossas histórias, nossas diversões, suas raivas, você. Acho que não devia ser tão louco por você. E tenho certeza que não deveria ter escrito isso também. O engraçado é que não me arrependo desse tipo de declaração. Não me arrependo de nenhum “eu te amo” e não me lembro do último que escutei. Não, na verdade eu me lembro. Estávamos em minha cama, abraçados e deitados com os pés para o lado da cabeceira. Nus. Entre seus cabelos desalinhados surgiram os olhos marejados de lágrimas. Foi o último. E saiu choroso, doloroso. Lembro de não saber o que dizer. Apenas te abracei o mais apertado que pude. Aquele foi o último que escutei. É triste ter a quase certeza de que você não se lembra disso. Seus motivos para ter dito foram diferentes dos que eu esperaria. Era algum tipo de agradecimento por eu aceitar a situação que já durava tanto tempo. Foi inacreditável até para mim. Mas aquele foi o último. E parando pra pensar agora, não me lembro do último que saiu da minha boca. Esta carta deveria ter um?

Hoje sei que passamos dos limites. Que você passou dos limites. Não nos vemos regularmente e deixamos de nos conhecer. Você vive outras coisas e eu não sei mais o que sou para você. Não sei como me portar ao lado do seu pouco caso periódico. Pergunto se o dia de amanhã vai ser diferente. Se meus amigos vão parar de querer me ver longe de você. Entende a gravidade da situação? Estou ficando sozinho por sua causa, querida. Isso é, se “estou ficando sozinho por sua causa” não for eufemismo para “estou sozinho por sua culpa”

Dá pra voltar a ser como antes? 

P.S.: Não sei o porquê de ainda te tratar como “querida”

Do seu, sempre seu, 

Jack.

Tags : amorcartacrônicareflexãorelacionamentos
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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