Ei, amor. Meu dengo, meu colo. Não devolvi a carta mais cedo, você sabe, claro que sabe, pois o mundo estava acabando. Não sei se já acabou. Será que o fim dos tempos pode ser frio, chuvoso e cinzento? Chove lá fora, sim, e cá dentro é só água também. Tudo úmido, das janelas à lateral da geladeira, aí me lembrei que você desenhava corações e aquelas outras bobagenzinhas nas janelas, na geladeira, no box do chuveiro, nas minhas costas suadas. Saudades, meu dengo, meu amor, meu pedaço de pecado. Sei que vai ficar incomodado com o pedaço de pecado, não combina comigo, né? Acho que estou louca, ficando louca, flertando com a loucura. O mundo estava acabando e agora é tudo frio e escuro. Pouca música, pouco trânsito lá fora. Quase não uso máscaras. Passo a vida aqui dentro, entre o box sem você e os livros com suas marcações. Neruda é lindo mesmo, você estava certo, meu amor. Meu cheiro, meu colo. Meus pés ficam gelados quando deito e quando levanto, mas é bem ruim quando estou deitada, de meias e debaixo das cobertas. Faz sentido não confiar nas máscaras por conta da impossibilidade de me aquecer com tanta proteção contra o frio? Por isso não saio, é por isso que não saio. Não confio nas pessoas, nas máscaras e em meus cobertores. Deve ser falta de você. Era mais fácil. Eram mais fáceis as pessoas, qualquer tipo de máscara e estar deitada com você. Vamos marcar a piscina, sim, mas vamos ter certeza que tudo acabou, que o mundo acabou mesmo, porque não quero ninguém por lá além de nós dois. Da sua, toda sua, para além do fim do mundo, eu.
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A coisa não homem
The author Marcos Marciano
Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.