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Crônica

História pronta pra jogar na crush

Microconto de amor para pessoas de vinte e poucos anos que ainda têm fé. Porque é bem possível ir a uma festa e ter uma conversa trivial sobre a falta de copos ou sobre a geladeira vintage que faz lembrar aquela da casa da sua vizinha, aquela azul-piscina e com cheiro de óleo de fígado de bacalhau. E você pode se arrepender por falar sobre óleo de fígado de bacalhau com alguém que acabou de conhecer, alguém que você automaticamente elevou ao segundo lugar no ranking dos sorrisos mais honestos e delicados do mundo. Segundo lugar só para não ser tão forçado, para não ficar parecendo idiota e evitar o julgamento da voz em sua cabeça, pois a verdade é que jamais viu alguém que poderia vencer um rosa nos lábios como o rosa daqueles lábios. Daí você desvia os olhos da boca — para de olhar, para de olhar — e tenta parecer casual enquanto a voz da experiência inexistente berra instruções de casualidade. Só que é impossível ser casual quando o cheiro de cigarro e as vozes lá fora se transformam num lembrete — um aviso — de que você só tem mais dois minutos ali, algo como a chance da vida para ser feliz com outro ser alfabetizado, a brecha que deus dá quando está entediado, o intervalo curtíssimo de tempo para inserir uma série de combinações num jogo para liberar o personagem especial. O cigarro das outras pessoas, as vozes das outras pessoas vão te roubar as clavículas mais perfeitas que já deram o ar da graça em qualquer cozinha que por acaso já tenha colocado seus pés, e você lá, pensando em clavículas e não falando seu nome. Fale seu nome. Pode ser uma boa história para contar, sei lá, aos seus netos. Sempre há uma professora querendo saber como os avós de seus alunos se conheceram.

Tags : amorcotidianofofurinharelacionamentosromantismo
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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