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Crônica

Homens loucos, mulheres enlouquecidas

Quando escrevi aqui sobre os delírios do amor moldado por novelas, com regrinhas fadadas ao fracasso e que são combustível para piadas sobre infidelidade compartilhadas via WhatsApp, fiquei muito feliz ao perceber que um bom número de leitores ao menos endossava as críticas.

Mas há a vida real.

Mark Zuckerberg pode não ceder aos pedidos pelo botão de unlike — acreditem, há quem clame muito por isso —, no entanto recebo vários polegares voltados para baixo quando nado contra a corrente dos comportamentos considerados amorosos. Creio que qualquer um receba sinais simbólicos de desaprovação quando cutuca alguma ferida aberta, tudo muito aceitável, claro, mas taí algo que me deixa de fato intrigado: Por que demônios ainda existem seres humanos dispostos a ditar o tom de suas relações interpessoais baseados nos testes da Capricho ou nas máximas da Marie Claire? O buraco é bem mais pra baixo, então vou dar uns três passos para trás e esmiuçar ainda mais o assunto, pois há camadas de tristeza e desespero velado soterrando quem segue o modus operandi das letras de sertanejo universitário e acaba não encontrando seu príncipe. “Às vezes, quando as pessoas conseguem o que querem, percebem o quanto seus sonhos eram limitados”. Ou pelo menos deveriam perceber.

Homens loucos

As aspas aí de cima são de Joan Harris, personagem vivida por Christina Hendricks na irretocável Mad Men, série multipremiada da AMC, criada e escrita por Matthew Weiner, o mesmo cara responsável pelo roteiro de alguns episódios de The SopranosMad Men, de acordo com o Internet Movie Database, é “um drama sobre uma das mais prestigiadas agências de publicidade de Nova Iorque no início dos anos 1960, centrada em seu misterioso e talentoso ad man, Donald Draper”.

Vamos lá. Vai fazer sentido.

Eu poderia descrever Draper como um homem bonito, rico, inteligente e criativo, casado com uma linda mulher, pai de crianças educadas e respeitado por todos que estão ao seu redor. Mas também seria correto dizer que o personagem de Jon Hamm é um mentiroso, covarde, irresponsável, mulherengo e machista. Para atestar isso tudo vocês podem assistir ao seriado, coisa que recomendo demais. Só que o negócio aqui é dar três passos para trás e tentar entender por que as pessoas ainda compram o jogo de amor das letras da Marília Mendonça, mesmo sabendo que isso só vai trazer miserabilidade. Como eu disse em outro post, desde muito novos sentimos essa coisa espessa, essa eterna propaganda de 12 de junho em shopping center tomar conta da gente e há quem chame isso de amor. Muitos dos unlikes da vida real que recebo vêm por não compactuar com essa onda. E por quê? Trago Don Draper, como bom publicitário que é, para destrinchar a realidade:

“Quando você diz amor está querendo falar sobre um grande choque no coração, de quando não se consegue comer ou trabalhar, daquela vontade de fugir para casar e começar a fazer bebês. A razão para nunca ter sentido algo assim é porque isso não existe. O que você chama de amor foi inventado por caras como eu para vender meia-calça.”

Falei de pessoas em geral comprando esse amor de meia-calça, mas estou me referindo às mulheres. Nossas mulheres são tristes, e nada melhor que vender promessas de felicidade para alguém que quer provar um pouco mais de sorrisos. Lembro-me de uma fala bem interessante sobre publicidade atribuída ao Banksy, aquele famoso artista de rua britânico, onde ele mostra como as propagandas entram em nossas vidas sem serem convidadas e não há muito o que possamos fazer sobre isso. Dentre outras coisas, também diz: “[A propaganda] Está lá, na TV, fazendo sua namorada se sentir inadequada”.

É de doer.

Mulheres enlouquecidas

Repito: nossas mulheres são tristes. Porque nunca estão satisfeitas, as roupas nunca são as certas, as vontades precisam passar por vários crivos, os corpos nunca são bonitos como são. Bastar-se, para elas, nunca é permitido. Tantos nuncas e nãos são detalhes do pacote que é vendido como normal, e nós, homens, arremedos de Don Draper, aparentemente ganhamos uma bela porcentagem em cada transação, já que insistimos tanto em enquadrá-las num projeto de amor romântico capenga, inspiração para o eterno ciclo do sertanejo universitário. Nossas mulheres são tristes pois vendemos a felicidade que escolhemos para elas. E quando perguntaram para o personagem principal de Mad Men o que era a felicidade, ele disse com convicção que “ela é só um momento antes de querer mais felicidade”.

Dados os três passos para trás, dou novamente três para frente.

Li há alguns anos um texto do Michel Laub, escritor gaúcho, sobre relacionamentos, tecnologia e literatura. Lá ele classificou o Sermão do Mandato, do Padre Antonio Vieira, como uma das coisas mais lindas já escritas em língua portuguesa. O padre fala, lá em 1600 e bolinha, sobre “as ignorâncias que impedem o amor de florescer no vale de lágrimas onde vivemos: não conhecer a si mesmo, não entender o amor, não saber onde o amor vai dar, não enxergar a natureza do objeto amado”. Deixo também o link para o livro aqui. É de domínio público. Pode ser útil.

Vai que você está em busca de um Don Draper e não sabe?

Tags : amorcrônicahomensliteraturamachismomad menmulheresrelacionamentos
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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