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Crônica

Racismo à brasileira

O bom de maldições é que elas são ruins, ou vice-versa. Midas que o diga, todas as meninas que estão beijando sapos até hoje que o digam.

Vejam só, a internet. É a maldição que veio pra ficar, porque em uma aba você tem o YouTube com aulas magníficas sobre qualquer coisa e na outra há os comentários de notícias sem moderação, os likes, as montagens toscas e os memes. É uma praga: sua voz pode ser amplificada, tocar muitas pessoas e construir algo bacana, mas quem disse que todas as bocas vão cantar a mesma música? Uma torre de Babel virtual.

Por exemplo. Nas últimas semanas entrei em contato com inúmeros casos envolvendo racismo. A deputada luso-guineense convidada a voltar para Guiné-Bissau por outro deputado, a empresária acusada de fraude ao tentar sacar dinheiro da própria conta. E os comentários, céus, os comentários. O Twitter às vezes parece alicerçar a Torre de Babel.

Rumo aos grunhidos

José Saramago — saudade, que saudade —, numa entrevista lááá em 2009, comenta sobre o Twitter:

Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

Na mesma entrevista, naquele tom tão dele, o laureado com o Nobel de Literatura de 1998 nos adverte: não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo.

E, lendo o que falaram sobre a deputada lá em Portugal e sobre a empresária aqui no Brasil, olha, parece que não veio mesmo.

Lembrei-me do que falaram de um pai, branco, que se fantasiou de Aladdin e escolheu vestir o filho, negro e adotado, de Abu. Daí também me lembrei do estudante de Direito daqui de BH, aquele que foi defender o trote que envolveu tinta negra e correntes e uma placa de “Caloura Chica da Silva”, dizendo que não havia racismo ali, porque afinal de contas o símbolo da atlética da faculdade era um macaco. Belo exemplo de racismo à brasileira.

Em todos os casos houve o papo de que racismo tá no olho de quem vê, que é tudo mimimi, que tá muito chato viver. E também teve o papo de que discussões assim têm que rolar, que é preciso prestar atenção em certas coisas, que racismo é um negócio que precisa ser combatido e discutido, sendo ou não à brasileira.

Racismo à brasileira

Estranha a expressão, e nem sei se existe paralelo no mundo. Escutei pela primeira vez da boca do meu avô, negro, que me contou a seguinte história:

Na década de 70, o zoológico de Belo Horizonte recebeu dois exemplares bebês de Gorilla gorilla gorilla vindos da França, uma fêmea e um macho. Como é de praxe por aqui, foi aberta uma votação popular para a escolha dos nomes para os novos moradores. A fêmea, que viveu pouco, passou a se chamar Dada, enquanto o macho recebeu a alcunha de Idi Amin.

Se fizermos uso da ferramenta maldita, a internet, não vai ser difícil encontrar links falando da morte recente de Idi Amin aos 38 anos de idade, com detalhes da autópsia e até, em alguns lugares, uma notinha explicativa sobre a origem do nome escolhido para o gorila: uma “homenagem” ao ex-ditador de Uganda, Idi Amin Dada. Porra, mas como assim?

Quando meu avô me contou a história — e ele também não concordava com o nome —, fez questão de salientar que Idi Amin, o ditador, tinha sido um grandessíssimo filho da puta, de pai e de mãe.

Porra. Mas mesmo assim.

Tags : brasilcrônicainternetracismo
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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