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Crônica

Qual é a cor da felicidade?

O que nos faz desejar que haja um dia seguinte? E, chegado o dia seguinte, o que nos faz desligar o alarme, levantar da cama e topar ser aquela pessoa refletida no espelho do banheiro? Existem mil formas diferentes de fazer tais perguntas e outras milhares de respostas para elas, mas não seria exagero dizer que há uma busca insistente por trás de questionamentos desse tipo. As pessoas catatônicas usando fones de ouvido no metrô. A dona besuntada da pastelaria. O CEO de advocacia se balançando na cadeira ergonômica e a massa de operários sem rosto carregando marmitas: estão todos tentando identificar qual é a cor da felicidade.

Não é tarefa fácil. As religiões, as artes, as ciências — tome qualquer atividade humana —, todas elas estão às voltas com o tema. “Deleite-se no Senhor”, dizem os Salmos da Bíblia, “e Ele atenderá aos desejos do seu coração”. Uau. Já eu, fã da impecável Mad Men, sempre me lembro das palavras de Don Draper, um dos protagonistas da série, ao falar sobre felicidade:

A publicidade é baseada em uma coisa: felicidade. E você sabe o que é felicidade? Felicidade é o cheiro de um carro novo. É não sentir medo. É um outdoor à beira da estrada dizendo com segurança que, seja lá o que você estiver fazendo, está tudo bem. Você está indo bem.

Mas é também Don Draper quem afirma que felicidade é “apenas o momento antes que você queira mais felicidade”, e ele está certíssimo em ambas as falas, não está? Livros sagrados, romances e séries de televisão sempre serão pródigos em nos fazer refletir sobre o assunto, entretanto podemos ir além para compreender melhor nossa eterna busca por algo que mal podemos definir. É aqui que a ciência também faz seu esforço.

Medindo a felicidade

Há sete anos, em todo dia 20 de março — dia Mundial da Felicidade —, a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU lança o Relatório Mundial da Felicidade. Ele é o resultado de pesquisas sobre o quão felizes os cidadãos de 156 países se enxergam, montando um ranking de felicidade global. Para tanto, os pesquisadores avaliam a qualidade de vida dos indivíduos a partir de seis variáveis-chave: o PIB per capita, o suporte social, a expectativa de vida, a liberdade para fazer escolhas, a generosidade e a percepção de corrupção no país.

Um estudo como este é muito bem-vindo, pois além de oferecer vários dados e o ranking de países, a cada ano o relatório elege um tópico para discutir com mais profundidade. Se em 2018 os pesquisadores debateram migração e felicidade, em 2019 falaram sobre como a ascensão das mídias e redes digitais está afetando a percepção do que é ser feliz, já que o modo como as pessoas interagem entre si e com o mundo — vide os seis fatores-chave — é muito importante.

O Brasil, aliás, vem caindo no ranking. Quando li o relatório pela primeira vez, em 2017, ocupávamos a 22ª colocação. Em 2018 éramos o 28º país mais feliz do mundo e neste ano ficamos com a 32ª posição. Em tempos políticos tão turbulentos como o nosso — eles deixam de ser em algum momento? —, saber que estamos nos percebendo menos felizes fez com que a leitura do capítulo 3 do relatório, Felicidade e Comportamento ao Votar, fosse um pouco alarmante, mas isso é tema para outra coluna.

À procura da felicidade

Falei sobre propósito lá no início, depois sobre personagem em uma série e descambei para o esforço hercúleo de pesquisadores das mais variadas áreas, entretanto ainda não sei responder: qual é a cor da felicidade?

Às vezes acho que todos temos um vislumbre meio pálido da coisa, ou pelo menos desejo que tenhamos, vá lá, afinal de contas a busca interminável daquilo que nos faz felizes parece dizer de algo muito nosso, intrínseco ao que nos faz humanos. Mas em outras ocasiões, olhando para meus cachorros, consigo ver que estão felizes além da conta, portanto a felicidade deve ser algo muito mais complicado do que uma mera tara humana e eu não entendo nada das engrenagens da existência.

Agora lembro-me dos catatônicos, aqueles com fones de ouvido no metrô. Imagino-os lendo os relatórios e mandando o ranking que mantém os mesmos dez países se alternando na liderança às favas. Lembro-me também que os fones estão ligados aos smartphones que, num paradoxo louco, nos aproximam e nos afastam e nos deixam infelizes de acordo com o relatório. Daí a lembrança de Don Draper vem outra vez à tona — que personagem — , todo pomposo em seu terno e cabelo penteado.

E se ele está mesmo correto em suas falas sobre a felicidade, nós, mesmo nessa avalanche de estímulos e dúvidas, nesse mundo veloz e impiedoso, temos a imensa responsabilidade de buscar aquele outdoor na beira da estrada. Ou só alguém que olhe em nossos olhos, dê uns tapinhas em nosso rosto e diga: Você está indo bem.

Tags : arteatualidadesciênciafelicidademundoséries
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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