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Reflexão

Nossos úteros não são públicos

Confesso que está difícil começar esse texto, por ser sobre um assunto que eu odeio conversar: maternidade compulsória. Causa-me preguiça ter que dar tantas explicações a respeito de uma escolha que para mim é, de verdade, extremamente simples e pessoal: a escolha de não ser mãe. Melhor dizendo: a minha escolha de não ser mãe. Mas ao mesmo tempo penso que se não abordo o tema, meu silêncio contribui para a perpetuação de ideias e atitudes das quais discordo terminantemente.

Fazendo um apanhado histórico da minha própria vida, me lembro de que pensava em ser mãe quando era adolescente e estava deslumbrada com os primeiros namoradinhos. Sabe aquela fala totalmente sem profundidade e reflexão? “Nossos filhos vão ser inteligentes como eu e jogar bola como você. Vão se chamar Valentina se for menina ou Enzo se for menino. Tomara que se pareçam com você. Teremos 2. Um casal”.

Pois é. Eu passei pela situação inversa à de boa parte das mulheres. Pensei — mais uma vez, sem profundidade nenhuma — em ter filhos quando muito nova e a cada ano envelhecido, queria menos. Diria que desde os 20 anos é uma certeza que se solidifica a cada aniversário — em vez de enfraquecer, como dizem por aí. Não tenho medo nenhum do tal relógio biológico.

Em tempo: com esse post não tenho a mínima pretensão em fazer apologia às pessoas não terem filhos. Se você for até o final e espero que vá, verá que eu faço apologia mesmo é para que as pessoas sempre possam escolher aquilo que lhes convém, baseadas em análises bem-feitas.

Escolha que te transforma em uma aberração

Para mim e meu marido a minha — a nossa — escolha de não ter filhos é apenas isso: uma escolha. Bem pensada, refletida, ponderada. Acordada entre nós. Mas quando colocamos isso em alto e bom som, as pessoas estranham. “Como assim?”. “Mas vocês não querem mesmo?”. “Vocês têm medo de alguma coisa?”. A pior de todas: “Quem vai cuidar de você quando ficar velha?”. Como se fosse bonito parir um ser teoricamente obrigado a cuidar de mim nos meus últimos dias. Ok, vou parar de colocar as perguntas que chegam porque não quero estender esse texto desnecessariamente. São muitas, pode acreditar.

Pior ainda é quando sou eu quem afirma que não seremos pais. Porque eu sou mulher e uma mulher que não é mãe é metade mulher no entendimento da sociedade. É como se o tempo inteiro houvesse algo de errado comigo. Como se eu fosse extremamente egoísta ou louca por não querer padecer no paraíso.

Egoísmo na medida do autocuidado

Vou te contar uma coisa: na minha decisão tem egoísmo sim e mais um monte de coisa. Egoísmo na medida em que ele significa autocuidado. Por que vou me colocar em uma experiência que sei que não é o que eu quero? Só porque os outros querem que eu faça isso? Puta merda!

Os supostos avós, bisavós e tios dessa criança que não existe até seriam impactados pelo nascimento dela. Mas nunca, jamais, como os pais seriam! Egoísta de verdade para mim é alguém que quer que o outro tenha filho. Aquela pessoa que vai ter acesso à parte boa e divertida de ter uma nova criança na vida, mas que não vai comer o pão que o diabo amassou. Para mim, só opina de verdade quem vai passar noite em claro, pagar por todas as despesas, preocupar-se com a saúde e educação do moleque.

“Você não sabe o que está perdendo!” — ainda bem!

Esse é um argumento que sempre aparece partindo de pessoas que geraram outro ser vivo. Não me convence e eu vou explicar o porquê. Sim, essas pessoas estão cobertas de razão quando falam que não tem como eu saber como é uma experiência se não a vivi. Não tem mesmo, gente! Mas tem como imaginar e decidir sobre ela sem vivenciar.

Nós temos um cérebro extremamente evoluído que nos permite aprender coisas por imitação (observar um modelo e imitar), modelação (receber um modelo de alguém e fazer igual), regras (descrições do que deve ou não ser feito), vivências por si mesmas e com formulações baseadas em experiências (reflexões sobre o que já aconteceu ou ponderações do que poderia acontecer). Diferentemente de outros animais, nós temos função simbólica. Conseguimos pensar, falar, imaginar. Coisa que outros animais não fazem. Somos diferentes deles porque temos a capacidade de viver uma vida muito menos instintiva e muito mais ponderada. Muito mais escolhida.

E como foi que eu entendi que não queria ser mãe?

Mesmo nunca tendo sido mãe, eu sei que: não gosto de ser interrompida por coisas que não escolhi fazer, não lido bem com crianças e nem tenho interesse em aprender, tenho nojo de fraldas, não gosto de ninguém dependendo de mim, liberdade é a coisa mais importante da minha vida, me sinto péssima quando tenho que abrir mão de algo porque fui forçada a fazê-lo, dormir bem também está no topo das minhas prioridades, gosto de gastar meu dinheiro com coisas particulares, ficar sem dinheiro afeta minha saúde mental, não tenho horário para chegar em casa do trabalho, o tempo que estou em casa é ocupado por várias coisas pré-definidas por mim.

Não-cabe-uma-criança-na-minha-vida. E sabe o que é mais importante? Eu não tenho interesse algum em fazer caber. Porque eu não preciso. Porque eu não quero. Porque quero viver a experiência que o pai ou a mãe não viveram e nunca viverão: ser uma adulta e posteriormente uma idosa sem filhos. O que me coloca na mesma posição que eles: também posso dizer que vocês não sabem o que estão perdendo!

Eu ainda farei um texto sobre escolhas de uma forma mais ampla e abordarei com mais detalhes isso para vocês. Não sabermos o que estamos perdendo é um baita favor que nosso querido cérebro nos faz. Afinal de contas, em uma vida média de ser humano, você acha que em uns 85 anos seria possível viver todo tipo de experiências? Lógico que não! A gente precisa escolher e para escolher precisamos de autoconhecimento. Isso aumenta demais a chance de acerto. E, convenhamos: também precisamos dessensibilizar esse medo todo de errar.

Experiências pessoais são apenas experiências pessoais

Nessa jornada da decisão de dizer não à maternidade, me deparo com pessoas que são:

  • Mães/pais e contraindicam;
  • Mães/pais e acham a coisa mais maravilhosa do mundo;
  • Não são mães/pais e querem ser;
  • Não são mães/pais, querem ser e não podem biologicamente;
  • Não são mães/pais e não querem ser;
  • Não são mães/pais e têm dúvidas.

Falar sobre a diferença entre uma mulher dizer que não quer ser mãe e um homem dizer que não quer ser pai, dá outro post inteiro. A mulher geralmente é vista como uma monstra insensível, menos mulher. O homem no máximo vai ser só um cara irresponsável.

Mas o que eu realmente quero dizer, com base na lista que fiz acima, é que as pessoas têm experiências muito diversas. A minha e a sua também são. Ninguém consegue repetir de forma idêntica a experiência de ninguém, seja boa ou ruim. Nós podemos identificar nas vivências dos outros aquilo que nos toca de alguma forma, comparar com o nosso arcabouço de experiências e daí tirar conclusões. Por isso falo sobre o autoconhecimento ser tão importante.

Vou dar alguns exemplos. Se dependesse de mim, acho que todo mundo devia viajar o mundo inteiro, ser profissional autônomo, não trabalhar na parte da manhã, comer o que quiser quando sentir vontade sem se preocupar com tamanho de corpo, fazer tatuagens e ter um tanto de cachorros. Todas essas coisas funcionam extremamente bem na minha vida e me fazem feliz.

Agora vou dar outros exemplos que são igualmente ilustrativos. Coisas que eu não gosto ou pouco me importam e muita gente gosta: praia, calor, ter um carro, casa própria, emprego público, sair sexta à noite, tomar cerveja, vestir roupa de marca, sertanejo universitário, ter uma religião/crer em deus. Não só vivo bem sem essas coisas, como prefiro viver assim.

Tá vendo? Nós podemos ser diferentes e todo mundo sair feliz.

A escolha de uma pessoa não é da alçada de mais ninguém

Eu penso que já deixei claro ao longo da nossa conversa que não precisamos viver de tudo para tirarmos conclusões. Com base em algumas experiências, fazemos associações que nos permitem vislumbrar como seriam outras. A partir daí, geramos um entendimento sobre querer ou não enveredar por algumas decisões.

Eu nunca usei drogas alucinógenas, porque tenho uma ideia dos efeitos e não estou disposta a perder o controle para vivenciar uma euforia plástica. Nunca fiz esportes radicais, mas como sou medrosa e não gosto de sentir dor, não pretendo me lançar de um paredão pendurada por uma corda e equipamentos de segurança. E olha só, nunca fui mãe, mas não preciso ser para saber que não quero abrir mão de noites de sono, ter uma preocupação para a vida toda, modificar todo o esquema da minha vida, viver com menos dinheiro. E vale apontar: não estou dizendo que ser mãe não tenha partes boas, acredito piamente que sim. Eu só não acho que valha a pena na minha história.

Ao começar esse texto, joguei algumas ideias no Google. Descobri que há blogs e grupos sobre mulheres que odeiam ser mães. Eu tenho certeza absoluta que me tornaria essa pessoa: a que ama o filho (se instinto materno existir mesmo), mas odeia ser mãe. Por isso, eu peço a você leitor ou leitora que me conhece: não me deseje uma coisa que eu não quero. Porque isso é me desejar mal, por mais que a sua experiência como mãe/pai seja gloriosa. Ou não, né? E peço que vocês todos respeitem as pessoas ao redor nas decisões particulares delas. Se você realmente acha que estou equivocada em minha escolha, já dizia um grande amigo: “o pé é meu e a jaca é minha!”.

Tags : escolhasexperiênciasfilhos
Débora Lopes

The author Débora Lopes

A profissão oficial é psicóloga, mas faz um monte de coisas. Devoradora de livros, maratonista de seriados, mãe de cachorro... Débora é uma jovem idosa que jamais recusa um café com os amigos. Ama viajar, especialmente para lugares frios.

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