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CrônicaReflexão

O povo do ué

Equivoquei-me. Fiz a piadinha sobre trocar o “Ordem e Progresso” em nossa bandeira para um “Nós é muito loko”. Equívoco. Isso lááá atrás, com Temer no poder. E é bom assumir nossos erros assim, nossas pedaladas além do limite do razoável. Até pensei em forçar mais a piada, já que Bolsonaro escolheu um “Pátria amada Brasil”, mas vive repetindo o “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Há três anos eu pensei: “ah, já que tirou o slogan da bandeira, bota o meu ‘Nós é muito loko’ lá por enquanto”. Mas é bobagem. Nós não somos loucos. Estamos mais para embasbacados confusos. Talvez tenhamos nos transformado no povo do ué.

Quantas vezes fomos conectar qualquer dispositivo USB e logo de cara não conseguimos? “Ah, deve estar invertido”. Aí, felizões, viramos o cabo do troço e tentamos de novo. Não encaixa. Voltamos para posição inicial e voilà: a porcaria conecta numa facilidade indecente. “Ué”. Essa é a nossa reação, a nossa cara. “Ué”. Ou quando chegamos num ponto de ônibus — em BH temos uma estimativa eletrônica de tempo de chegada em alguns — e vemos que o nosso Pégaso querido e veloz está com status de “3302 – 3 min aproximadamente” e em breve nos levará para casa. “3302 – 1 min aproximadamente”. Você até arrisca o desejo de ir sentado. “3302 – Aproximando”. Finalmente. “3302 – 20 min aproximadamente”. “Ué”. Muitos xingamentos, mas o balão de pensamento é o mesmo: “Ué”.

Os últimos anos, creio, sacramentaram a ideia de que somos o povo do ué. Escolha sua rede social. O Instagram, o Twitter, o WhatsApp. Não importa. Todas elas serviram e acredito que vão continuar a servir para pacificar o que estou dizendo. Vejam bem. Relembrem o tênis de mesa político. “Ué, não era uma manifestação apartidária? O que estes políticos estão fazendo aí, nos ombros dos manifestantes?”. “Ué, a presidente não era a favor da democracia? O que ela está fazendo apoiando ditadores africanos?”. “Ué, a velha política, a mamata não tinha acabado? Por que Bolsonaro está negociando com o Centrão para salvar a própria pele?”.

Convenhamos, é a velha e feia mania do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Taca um “Ué” bem legal nessa bandeira. Esqueçamos qualquer ordem ou progresso. Bora tatuar um monte de “Ué” em pulsos, nucas e cristas de ilíacos. Nós somos o povinho do ué.

Tags : bolsonarobrasilcorona víruscrônicahumorpolítica
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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