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Conto

Mamãe, eu não quero um namorado

O que me lembro daquele dia é do meu cheiro ainda em sua barba, no meio do abraço, no primeiro abraço da manhã. Em seus olhos vi saudade da noite anterior, vi que ele não me enxergava, buscava flashes meus, entre lençóis, de quatro, aberta, suada, molhada. Lembro-me também da noites quentes, dos pés grandes, das panturrilhas torneadas. Ele gostava de me provocar com elas — e com as bermudas, as brincadeiras sem cuecas quando saíamos de casa —, mas me provocava mesmo era com as panturrilhas. Eu pedia, “me deixa morder”, e ele, sádico, me cuspia um “não” entre os dentes do sorriso. Eu morria, tremia e adorava. Aos domingos eu nem o via sumir pela manhã, no entanto ele sempre voltava com as laranjas, ah, as laranjas, que de tantas noites e tardes lambuzada e lambida, acabei por aceitar o perfume impregnado. E lembro-me dos jornais aos domingos, com as manchas marrons depois de secos, depois das garrafas de vinho que voavam em câmera lenta antes das desculpas e dos beijos em meus olhos úmidos de sangue, das mãos entre minhas coxas e das laranjas na fruteira ao lado da cama.

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Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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