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Crônica

Não é apenas um cachorro

Eu tive um cachorro que se chamava Jão. Ele viveu durante 17 anos, o que é mais da metade da minha vida. Eu tinha no Jão um verdadeiro amigo de 4 patas e com ele vivi inúmeros momentos memoráveis. Ele morreu em 2017, e depois da morte dos meus avós, foi a maior perda que já experimentei.

Jão parecia ser um reflexo de mim: era bem “quietão”, comia o que tivesse na frente (sou assim só com coisa que faz mal) e era chegado em uma sonequinha “de vez em sempre”. Claro que isso não se aplica a quando ele era filhote. Me lembro que eu e meus irmãos costumávamos brincar bastante com ele. Mesmo naquela pequeneza, nos enfrentava de igual para igual. Era muito engraçado.

Essa sou eu, a minha mãe e o Jão pequenino. (Foto/Arquivo Pessoal)

Nos últimos anos de vida dele, ficávamos espantados com o quanto ele estava bem, apesar da catarata e da surdez. Alguns amigos brincavam dizendo “nossa, ele ainda está vivo?” ou “ele viveu esse tanto pelo monte de carrapatos que parasitaram ao longo dos anos” — e, olha, ele teve MUITOS carrapatos, mas quem tem cachorro sabe que são percalços a se enfrentar.

Esse é o Jão quando mais velho. (Foto/Arquivo Pessoal)

Só que no final, ele definhou de uma maneira bem rápida. Além de não enxergar e ouvir direito, já não andava e nem comia bem — gastamos bastante com rações especiais, idas ao veterinário, remédios e fraldas. Fora o trabalho redobrado na limpeza do xixi e cocô que ele já não tinha mais controle para segurar. Tivemos que sacrificá-lo, pois ele estava sentindo muita dor, não valia a pena prolongar tanto sofrimento. Não foi — e nem é — uma experiência que desejo a ninguém.

Lembro que um tempo depois que ele morreu, fiquei na dúvida: nunca mais teria um cachorro para chamar de meu ou dava uma chance a outro ser que precisava de lar? Claro que eu escolhi a segunda opção e o próximo passo seria convencer a minha mãe. Como esperado, Glorinha disse um sonoro “NÃO!”.

Eu com meus 9, 10 anos de idade só queria ter um animalzinho de estimação para brincar, sem pensar em problemas como doenças e deveres como banhos, comida e outros. É vergonhoso, mas não vou mentir, quem lidava com a maior parte das coisas chatas de se ter um animal eram meus pais, principalmente minha mãe. Claro que dava banho no Jão, trocava água e reabastecia a ração. Mas na maioria das vezes era a minha mãe quem ficava na linha de frente dos cuidados com ele. Os anos foram passando e a situação não mudou, então não é difícil entender por que ela não queria outro cachorro.

Só que parte de mim se arrependeu do modo como eu cuidei do Jão. Não que eu tenha maltratado ele de forma física ou psicológica. Sei que poderia ter feito melhor, mas não fiz por pura ignorância e comodismo. E dentre os diversos motivos de querer um novo cachorro, cuidar com responsabilidade era um deles. Só que Glorinha é osso duro de roer e chegou um momento em que eu estava começando a desistir da ideia. Só que um dia, minha mãe, o Marcos, a Débora e meu outro irmão, Matheus, resolveram me surpreender.

A tal da Responsabilidade 

Antes de continuar minha história, quero mencionar aqui alguns dados. De acordo com um levantamento do Instituto Pet Brasil, são ao todo 3,9 milhões de animais em condições de vulnerabilidade, ou seja, aqueles que vivem sob tutela das famílias classificadas abaixo da linha de pobreza, ou que vivem nas ruas, mas recebem cuidados de pessoas. Só cachorros representam 69% (2,69 milhões). 

(Foto/Esther Handy)

Só que, pasmem, de todos esses animais, não fazem parte das contas os que foram abandonados ou não tem um tutor definido. É aí que entram as ONGs para tentar fazer o máximo para cuidar dessa bicharada. Segundo o Instituto, são 370 ONGs tutelando mais de 172 mil bichos, e desses, 165.200 (96%) são cachorros. Isso porque não mencionei gatos e outras espécies. Mas infelizmente, não há dados concretos para saber quantos são os que estão na rua sem apoio. É alarmante, e por isso, quando decidi ter o meu novo animalzinho, queria que fosse adotado.

Eu vivia falando disso com a minha mãe quando tentava convencê-la de que seria sensacional termos outro cachorro. Num dia qualquer em dezembro de 2017, minha mãe leu esta reportagem e resolveu que um daqueles cachorrinhos seria adotado. Então ela, junto aos outros 3, foram escondidos de mim e me deram a grata surpresa de trazer para casa o Xavier.

Primeiro dia do Xavier em casa. (Foto/Arquivo Pessoal)

E com Xavier vieram todas as responsabilidades junto: arcar com as rações, as vacinas, dar banho, limpar xixi e cocô, dar atenção e carinho. E não deixar a “peteca cair”, nunca. Minha primeira prova da tal responsabilidade foram nos primeiros dias dele em casa. Ele não quis comer nem beber água, cagava e vomitava toda hora. Levamos ele ao veterinário e descobrimos que estava tão mal de gastroenterite que se demorássemos mais, ele iria morrer. Mas deu tudo certo, ainda bem.

Hoje ele é um cachorrinho muito feliz. Carente, chorão e muito bobão. E ele tem todo o amor e atenção do mundo. A Glorinha? Ela diz que não gosta de cachorro, mas providenciou roupinhas para ele no inverno, mandou uma costureira fazer uma capa pra caminha dele, porque ele poderia estar desconfortável… quem sou eu para dizer que ela gosta de cachorros, certo?

Com o Xavier estou fazendo diferente do que fiz com o Jão — parafraseando o Marcos, todos os cães merecem o céu, e com certeza o Jãozinho tá lá. E eu tenho a tranquilidade de saber que adotei um bichinho que precisava de uma casa e, como eu, muitas pessoas estão fazendo o mesmo. Porque milhares de animais estão passando por muito sofrimento nas ruas ou em canis/gatis, sem a devida atenção e um lar de verdade. Ao adotar, você ajuda a reduzir esse número e tem a maior alegria que é mudar o destino de um deles.

Quando você adotar, provavelmente vai querer agradá-lo comprando mil coisas, mas na verdade ele só irá preferir as coisas simples como brincar com a sua mão ou pegar aquela sua camiseta velha pra deitar e dormir com seu cheiro. Porque, com certeza, seu cachorro vai estar muito grato por ter um lar e desfrutar da sua presença. E você vai perceber que não é só mais um cachorro (ou outro animal), mas sim um companheiro de vida.

Xavier hoje, muito feliz. (Foto/Arquivo Pessoal)
Tags : adoçãocachorroresponsabilidade
Marcella Oliveira

The author Marcella Oliveira

Formada em Publicidade, Marcella caiu de paraquedas no Jornalismo e acabou se apaixonando por ouvir e contar histórias. É uma seriadora assídua e uma gamer de araque (prefere assistir a jogar). Almeja dar a volta ao mundo, mas antes quer desbravar esse "Brasilzão de meu Deus".

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