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Crônica

Como dizer eu te amo

O último ensaio de Roland Barthes seria sobre Stendhal. “Malogramos sempre ao falar do que amamos”. Era esse o título. Li que Barthes conseguiu datilografar apenas uma página. A segunda ficou para sempre limpa, enfiada na máquina de escrever em seu escritório. Antes de terminar a revisão e bater o manuscrito, o pensador francês sofreu um acidente e faleceu pouco tempo depois.

Eita. Lúgubre e acadêmico demais. Mudemos o caminho.

Não importa, pelo menos aqui, se você conhece Roland Barthes ou Stendhal. Foquemos apenas no título escolhido para o ensaio. Imagine que alguém tenha subido num prédio com uma lata de spray no centro da cidade e tacado essa na fachada: MALOGRAMOS SEMPRE AO FALAR DO QUE AMAMOS. Cê tá lá no ônibus ou indo comprar pão e bum, lê uma coisa dessas no parapeito de um viaduto, na parte de trás daquela banca de jornal. Veja bem, não é o famigerado “atualmente a tua mente atua ou mente?”, não é qualquer pichação com pretensão anarquista ou poesia vagabunda. É o estômago virado do avesso, a tatuagem no cóccix de um deus graduado.

Lembrei-me de Barthes e seu ensaio, pois há mais de década Débora resolveu que eu era merecedor de seus olhinhos sorrindo. E há mais de dez anos caço mil formas de dizer desse amor sem êxito. Sempre com a sensação de estar um passo atrasado, ou de não ter escolhido as melhores palavras, ou de não ser aquele momento o mais oportuno e por aí vai. E são muitos anos. Mais de um terço da minha vida pensando todos os dias em uma pessoa. Bizarro isso, né? Constatar que é possível pensar em alguém todo santo dia, mas mesmo assim não saber o que dizer ou como dizer algo para ela. Malogramos sempre ao falar do que amamos.

Quando Roland Barthes escreveu sobre o que escreveu — o manuscrito estava terminado —, pelo que entendi, ele quis mostrar a diferença entre o “falar do que se ama” que havia nos diários e anotações de Stendhal e o mesmo “falar” em um de seus romances mais famosos. Para Barthes há absurda diferença nas duas coisas. No diário ele apenas diz do amor, mas no romance ele te arrebata.

Então, trazendo a coisa outra vez para minha década.

Sei que vai ser impossível evitar dizer do meu amor por ela e que não vou sair da mera anotação em diários. Vou ter que aceitar a sensação constante de imprecisão e atraso, porque não dá para pular fora dessa realidade chinfrim e arrebatá-la com um romance sobre nossas vidas. É inalcançável uma coisa dessas, acreditem. Faria se pudesse. Mas não posso.

Há mais de década, como disse, penso em Débora todos os dias. Com o “malogramos sempre ao falar do que amamos” na cabeça, resolvi dar para ela um pedaço do céu para dizer do meu amor e das minhas lembranças. Um tiro muito alto? Talvez. Vou vencer o malogro? Com certeza não. Mas sou bem mais feliz vivendo meu romance em vez de escrevê-lo.

Tags : amorcrônicaliteraturarelacionamentosvida em sociedade
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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