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Reflexão

Homens com bolas — parte 3 de 3

A terceira e última parte de Homens com bolas — leia a primeira e a segunda — será a mais curta. Não existem mais os mundinhos da escola, dos amigos e da rua. Virei adulto e há um bom tempo só jogo bola com desconhecidos e semiconhecidos. Alguns ficam mais próximos, mas nada que se compare à felicidade de ter os pés descalços entre amigos e usar chinelos como traves. É bem triste. Sinto que todos com quem troco passes, disputo bolas ou faço tabelinhas hoje em dia também carregam uma bagagem pesada de masculinidade moldada, em grande parte, pelo esporte bretão. O cheiro que senti quando pequeno era o desse monstro que encontro em todas as peladas das quais participo. É bem triste, pois a coisa parece estar já bem consolidada, impossível de ser combatida.

Adultez

Ser adulto e jogar bola é isso: ainda existem os homens que ficam passando a mão em você esperando seu revide masculino, só que eles fazem isso com bem mais frequência. Os grupos de WhatsApp servem para a marcação de locais e horários de jogo, para muita nudez feminina e insinuações de homossexualidade e feminilidade em participantes da pelada. Há também uma piração com vídeos e fotos de acidentes de trabalho e automobilísticos, uma tara por violência e seus resultados que dá nojo. Mas reclamar de algo assim é alimentar o monstro, é a deixa para que digam que “a menina não aguenta” ou que “a senhorita precisa dar meia hora de bunda” em vez de estar ali, entre homens com bolas.

Ser comparado a uma mulher enquanto se joga futebol entre homens sempre, friso, sempre será algo ruim.

Aprendemos isso desde cedo. Daí você entende que a história vai além do esporte e dita os limites do que é esperado de um homem e o que é esperado de uma mulher. Ronaldo Nazário de Lima, quiçá o maior centroavante que existiu, saiu com travestis e teve que se explicar na TV em horário nobre de domingo. Disse que tudo não passou de um grande mal-entendido. Qualquer coisa no futebol que negue a lógica da masculinidade hegemônica é rapidamente decepada. Antoine Griezmann, por exemplo, campeão do mundo com a seleção francesa em 2018, foi capa da revista Têtu Magazine e se posicionou contra a homofobia no futebol, entretanto “Quem é o namorado do Griezmann kkk” era o comentário com mais curtidas na reportagem do portal brasileiro que dava a notícia.

Homens com bolas: até quando?

Ser um homem adulto e jogar bola também é isso: um dos peladeiros recentes, machão pra dar com pau, não perdeu a oportunidade de notar meus dois joelhos ralados por motivos que nem eu sei dizer quais eram, para pedir desculpas: “da próxima vez que eu te botar de quatro, Marcos, você escolhe o tapete em vez do KY’. Ou, ainda, o outro peladeiro, um senhorzinho de propaganda de margarina, dizendo que quando tinha a minha idade também usava um cavanhaque e aquela foi a época que “mais teve boceta para comer”.

É uma quimera. Gigante. E o que fazer?

Do fundo do meu coração, não tenho ideia.

Já considero um esforço enorme manter o discurso contra o troféu da macheza e o espólio dividido entre os homens de cada pelada por aí. Não sou pretensioso, tenho consciência de que não escapo do tal monstro e que devo contribuir de várias maneiras para sua existência, mas o problema é que ser o sujeito esperneando entre seus dedos é exaustivo. Sinto-me fraco, ignorado, homeopático, uma gotinha de água doce num oceano furioso.

Homens não existem

Termino o post com a conclusão que cheguei há um tempo, em outro texto, e tento carregar na mochila da masculinidade, ao lado das chuteiras:

“… não existem homens no imaginário machista. Existem, sim, esses desesperados correndo atrás de um totem impossível, grande, veiúdo e incansável. Arremedos de corpos, arrogantes e hipócritas, covardes e mentirosos. Coitados que dominam a partir da misoginia, que disseminam a ideia de que homens pensam em sexo a cada dois minutos e estão sempre preparados, mas que mulheres não pensam e não fazem. Soldados desesperados e tristes de um exército que rabisca mulheres para retroalimentarem um desprezo sem sentido. Desesperados e tristes, cheios de fobia da coisa não homem, mas não têm um isso de humanidade para compreender que não são melhores que ninguém. Não veem que ser homem significa mais do que provar a todo instante e a todo custo que você consegue ter ereções.”

É isso. Ficou maior do que eu imaginei, falhei com louvor ao tentar deixar isso pequeno, mas se você chegou até aqui, obrigado por ter lido. Segue o jogo.

Tags : futebolhomemmachismomemóriasexualidadesociedadevidaviolência
Marcos Marciano

The author Marcos Marciano

Marcos Marciano é um ser humano amador. Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, lê livros por esporte e escreve por falta de vergonha na cara. Ainda não sabe por que a Débora resolveu se casar com ele.

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